quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Foz de Arouce


Lisboa,
1 de Agosto de 1987
06:00
“Hoje, a aventura”

Pousei a caneta, fechei o diário. Na altura não sabia, mas nunca mais o iria abrir, nem sequer para o ler. Ás vezes na nossa vida sabemos que algo vai mudar. Algumas dessas vezes essa mudança é procurada por nós, mas nunca sabemos a amplitude ou a extensão dessa mudança.

Nessa madrugada, ao sair de casa de mochila ás costas e com o walkman a tocar Sade Adu, para uma caminhada que atravessaria meia Lisboa adormecida, era a minha fase mais negra e depressiva que deixava para trás.

Nessa madrugada iria renascer.

Foz de Arouce
1 de Agosto de 1987
18:00
Tinha estado 3 meses num curso de formação de Monitores de Campos de Férias, tinha estado mês e meio em reuniões com a equipa dos “Mais Velhos” a planear e a preparar os 15 dias do NAC3; mas nada, nada, nada me tinha preparado para o que se iria seguir. Em apenas 10 horas tinha interagido com tanta gente quanto num ano. Mas o mais importante foi descobrir que o conseguia fazer de uma forma alegre, bem humorada e capaz de cativar.

Nesse dia e nos seguintes fui a melhor versão de mim, tive uma visão de como poderia ser. Tive a certeza de que não estava condenado a uma vida de solidão e silêncio frio. Para dizer a verdade, ninguém está. Pode julgar que está, mas não está.

Se fizermos o mesmo de sempre, recebemos os resultados de sempre.

Hoje,
Aqui
Eu gosto de situações limite. Situações de “Do or Die”. De “Faz ou Morre”. São situações que nos confrontam com os nossos medos, as nossas crenças e que geralmente, ao optarmos pelo “Do”, verificamos que eram isso mesmo: simples crendices. Pesos mortos na nossa mente que só servem para nos impedir de ser aquilo que queremos e merecemos.

Só evoluímos se sairmos do nosso conforto.


Foz de Arouce
4 de Agosto de 1987
20:00

Fazer anos em Agosto é lixado para um puto. Mesmo no meio das Férias do verão, nunca cá está ninguém para se fazer uma festa. O máximo que eu fazia era um jantar com ou outro amigo (também não tinha muitos mais...) mas festa de anos foi coisa que nunca tive. A partir de certa altura deixei de ligar á data...

Por isso quando, depois do jantar, o João Bastos me parou á saída do refeitório com uma história idiota, eu nem relacionei com a data. Fiquei só a olhar para ele e a pensar “Mas este gajo está parvo...” Nunca imaginei que lá fora o Martinho tinha ido buscar um bolo enorme ao frigorifico, nem que 200 putos e 20 monitores se amontoavam atrás dele para entrarem e cantarem-me os parabéns.

Eu não tinha dito nada! Viram a data de nascimento na minha ficha e prepararam tudo em segredo, com meses de antecedência. Nunca ninguém tinha feito uma coisa dessas por mim! Ninguém!

Foi um choque!


Cento & Doce
4 de Agosto de 2007
21:00H
Convidei 54 pessoas para o meu 43º aniversário. Pessoas “ significantes, significativas e com significado na minha vida” ( A dizer a verdade, deveriam ter sido 56, mas ainda não é a altura para convidar as outras duas) Umas podem ir, outras não. Mas para mim o importante é, por um lado, com o convite, eu validar o papel importante que essas pessoas tiveram ou têm na minha vida; por outro são uma cabal demonstração de que não estamos condenados a nada, a não ser ao que quisermos acreditar.

Haja coragem para sair do conforto e para pagar o preço da mudança.


Talasnal
10 de Agosto de 1987
23:00
Eu acredito que existem sítios que, por qualquer motivo que desconheço, fazem sentido. Sítios onde passado, presente, futuro, o cosmos, se alinha connosco e ... faz sentido! Sítios onde era suposto estarmos para sentirmos, sitios que nos causam um vazio e uma busca sem razão até lá estarmos e tudo ficar claro.

Na serra da Lousã há uma aldeia, que hoje já não é assim tão deserta, chamada Talasnal. Nessa aldeia há uma eira que fica lançada sobre um vale imenso e fundo. Nessa eira, debruçado sobre o vale, eu faço sentido.

Desde esta data todas as grandes alterações da minha vida, foram precedidas ou imediatamente seguidas de uma ida a essa eira. Já lá dormi, já lá chorei, já lá ri, já lá pensei, já lá fui sozinho e em grupo, e já lá fui sem saber se iria voltar.



Foz de Arouce
15 de Agosto de 1987
16:00
Há medida que os miúdos iam entrando nos autocarros os nervos ficavam á flor da pelo. Choradeiras, abraços, promessas de cartas que nunca seriam escritas, amores eternos que acabaria dali a horas, poeira, um sol amarelo e quente.
Falam comigo. Não ligo. Não sei quem é. Talvez sejam todos. Sei que assistia a algo portentoso, a algo que nunca tinha visto e que por isso, me obrigava a gravar na memória. Não quis tirar fotografias porque o papel desaparece. Quis gravar todo em mim. Os meus olhos eram camaras de filmar e ainda hoje, ao escrever estas linhas, as imagens passam por mim como um documentário antigo.

Novamente de mochila, voltava para o mundo real. Um mundo que ainda não era o meu, mas que sabia que um dia seria.

Hoje!